segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O ANO DO IRMÃO

Seguindo a proposta vocacional de Ir. Gabriel Taborin, os Irmãos da Sagrada Família presente na Província N. S da Assunção ( Colômbia, Equador, India e Indonésia) lançaram o projeto ANO DO IRMÃO. Este projeto teve início no mês de novembro deste ano de 2011 e concluirá no próximo mês de novembro de 2012. A ideia segundo Ir. Carlos é apresentar o carisma deixado por Ir. Gabriel e ao mesmo tempo mostrar a beleza contida na vocação do irmão. Mais informações, acesse o blog do projeto: http://safahermanos.blogspot.com/

RESPONSÁVEIS PELA NOSSA VIDA

Para que vivo eu?

Enquanto não tivermos uma resposta a esta pergunta, uma resposta que nos mostre o significado da nossa existência - a nossa razão de viver, de amar, de lutar, de trabalhar… -, não seremos um autêntico ser humano. Seremos um bicho mais ou menos pensante que circula, come, bebe, dorme, faz sexo, fuça, desfruta, enjoa, se ilude, se desilude, trabalha, briga, se deprime, vai ao psiquiatra, não sabe o que lhe acontece, envelhece e morre.
Faz já alguns anos, uma crônica jornalística reproduzia a resposta de uma mocinha carioca à pergunta sobre o que achava dos bandos de vândalos e pixadores que danificam instalações públicas: - «Para mim - dizia ela -, as pessoas não sabem mais o que fazer das suas vidas». Sem grandes filosofias, essa menina lembrava que nós é que temos de “fazer a nossa vida”, que é preciso “fazer algo com ela”, e que não faremos nada de válido se não “soubermos o que fazer”. Justamente por termos uma inteligência e uma vontade livre, somos os responsáveis pela nossa vida. Que fazemos dela? Que faremos dela?
Essa filósofa-mirim trouxe-me à memória outra menina e outra reportagem de jornal. No caso, uma reportagem bem triste. Em São Paulo, há vários anos, uma estudante de dezesseis anos despencou - ou se jogou? - da janela de um dos últimos andares de um prédio de apartamentos, onde uma turma de colegas consumia drogas. Morreu na hora. Entre os seus papéis, acharam-se rabiscos de umas confissões íntimas.  Desse texto, baste uma amostra: «Vou ver se aqui eu consigo dizer tudo o que sempre quis dizer. Em primeiro lugar, eu queria viver. Mas eu vivo, o problema não é esse. O problema é ter que viver para quê? Ou para quem? Eu quero encontrar algo que me faça querer viver eternamente».
A pobre mocinha não tinha descoberto ainda para que vivia, e por isso se achava perdida, sem sentido e sem rumo. Isso faz pensar que, mesmo na sua trágica desorientação, tinha uma intuição profunda do sentido humano da vida. Reparemos que ela não colocava a sua realização em possuir bens, em enriquecer, gozar dos prazeres da vida (como seria de esperar, mexendo-se num ambiente consumista e hedonista), mas numa “razão de viver”, que não conseguia achar: «Eu quero encontrar algo que me faça querer viver eternamente». Só por isso era humana: porque sentia a sede de sentido, sem a qual tudo acaba em absurdo e frustração. 

Eu sou fiel a mim mesmo? 

À vista desses dois episódios, tornam-se incisivas estas perguntas: - Podemos dizer que estamos configurando, orientando a nossa vida de acordo com um ideal que a cumule de sentido, ou pelo menos que lutamos para chegar a isso? Esse ideal move-nos de maneira a vencermos a preguiça, a pressão do ambiente, os impulsos meramente instintivos, a inércia e a moleza, que apagam qualquer ideal? 
Estejamos certos de que só vivendo assim - à procura de um ideal que nos encha de sentido - poderemos dizer que somos fiéis a nós mesmos, à grandeza do que nós somos, às  exigências profundas da nossa dignidade de pessoas humanas; em suma, poderemos dizer que somos autênticos seres humanos
Talvez nos mostre uma pista, para começarmos essa procura, um comentário do protagonista do romance Life after God (”A vida depois de Deus”, deste Deus que “nós matamos”), do americano Douglas Coupland. 
O escritor se autodefine como membro da «primeira geração americana educada sem religião», e retrata a falta de sentido e o tédio acumulado de muitos dos seus companheiros, criados no vácuo do prazer sem Deus (drogas, álcool, sexo-carne, ausência de compromissos). 
No final do romance, o protagonista faz chegar uma mensagem à namorada, que é como que o grito do vazio: 
«Pois bem… eis o meu segredo. Digo-o com uma franqueza que duvido voltar a ter outra vez; de maneira que rezo para que você esteja num quarto tranqüilo quando ouvir estas palavras. O meu segredo é que preciso de Deus; que estou farto e que já não posso continuar sozinho. Preciso de Deus para que me ajude a dar, pois me parece que já não sou capaz de dar; para que me ajude a ser generoso, pois me parece que desconheço a generosidade; para que me ajude a amar, pois me parece que perdi a capacidade de amar…». 
Não vale a pena pensarmos a sério nessas coisas todas? 
(adaptação de um trecho do livro de F. Faus: Autenticidade & Cia)

A VOCAÇÃO NA BÍBLIA

Fr. Humberto Pereira de Almeida OP

Então, se vocação é chamamento, deve haver alguém que chama e alguém que é chamado. Portanto, não é simples tendência ou inclinação pessoal, mas é chamada. E, se alguém chama, chama para alguma coisa, não chama atôa...
Estamos falando de vocação numa perspectiva de fé e de Igreja. Então podemos definir a vocação como: o chamado que brota do mais íntimo do ser humano, onde ressoa a voz de Deus. Portanto, vocação aqui tem uma dimensão essencialmente religiosa.
Vamos tentar refletir um pouco sobre a vocação na Bíblia, a vocação num enfoque bíblico e religioso. E o fazemos sem nenhuma preocupação interpretativa ou exegética, mas simplesmente segundo o texto.

A. A vocação no Velho Testamento

Podemos dizer que a vocação é um fato bíblico. O nosso Deus é um Deus que fala, que escolhe e chama pessoas para o serviço, para missões concretas e determinadas. Esta sempre foi a convicção presente na consciência do povo bíblico. Deus conduz a história e a iniciativa é sempre dele. Javé elege Israel porque o ama (Dt. 7,6-8). - Não foram os discípulos que escolheram Jesus, mas foi ele que os escolheu. "Não foram vocês que me escolheram, mas foi eu que escolhí vocês. Eu os destinei para ir e dar frutos, para que o fruto de vocês permaneça" (Jo. 15,16). A vocação é profundamente pessoal - Deus conhece e chama. Aliás é convicção bíblica que Deus conhece e chama as pessoas desde o ventre de sua mãe. "Eu ainda estava no ventre materno e Javé me chamou; eu ainda estava nas entranhas de minha mãe, e ele pronunciou o meu nome" (Is. 49,1).
O Velho Testamento fala de diversos tipos de vocação. Em contexto histórico concreto Deus escolhe pessoas para missões específicas. Encontramos na vocação bíblica alguns elementos característicos de toda vocação. Podemos dizer que duas coisas são fundamentais:
Ø toda vocação comporta o envio para uma missão,
Ø toda vocação exige ruptura com o passado.
Deus chama patriarcas, reis, sacerdotes, profetas, homens e mulheres...
A primeira grande história de vocação na Bíblia e a vocação de Abraão (Gn. 12, 1...). Abraão é chamado o pai da fé. Ele é chamado, acredita, deixa o seu povo e parte para o desconhecido.
Vocação de Moisés - num momento difícil da vida do povo hebreu Deus escolhe, chama e envia Moisés (Ex. 3).

Vocação de Samuel (1 Sam. 3).

Como Samuel, Davi é escolhido menino para ser rei e condutor do povo. Deus envia Samuel para ungir quem ele escolhera para ser o seu sucessor. Deus diz a Samuel: "Não se impressione com a aparência e estatura dele. Não é esse que eu quero, porque Deus não vê como o homem, porque o homem olha as aparências, e Javé olha o coração" (1 Sam. 16,7).
No Vellho Testamento o sacerdote é alguém que recebe um chamamento para uma missão especial. Ele é ungido para o serviço do templo (Ex.28,1; 29,1;30,30). "A unção lhes conferirá o sacerdócio perpétuo..."(Ex.40, 15b).
Muito significativa na Bíblia é a vocação-chamamento e envio dos profetas. Os grandes profetas bíblicos falam da própria vocação, dando testemunho do chamado divino individual, direto e imediato.
Ø Vocação de Isaias - Is. 6. Uma visão que se dá em um ambiente de glória...
Ø Vocação de Jeremias - Jr. 1
Ø Vocação de Ezequiel - Ez. 2,8-3 - O profeta come o rolo... doce como mel...
Ø Vocação de Jonas - Jonas 1 - O profeta tenta fugir de Javé para não cumprir a ordem que lhe é dada... - 3, de novo Javé o envia a Ninive.
Quase todos os profetas começam dizendo que a palavra de Javé lhes é dirigida. É a credencial do profeta. Ele não fala nem age em nome próprio. Ele é porta-voz. Nele é Deus que age.
A história do povo de Deus é uma história de teofania. Deus sempre se manifesta e conduz a história. É um Deus presente no caminho, na luta, na vida...
Na história do povo hebreu há duas linhas: a sacerdotal e a profética. Mas os sacerdotes, que deveriam estar a serviço do templo e do povo, acabam formando uma casta, mais comprometida com uma política corrupta do que com a fé.
É interessante observar que os profetas nada têm de oficial ou institucional . O profeta não está ligado ao templo ou à religião oficial. É alguém chamado e enviado para missões específicas. Pela sua coragem de questionar a situação presente e as estruturas que oprimem ele quase sempre foi visado e perseguido. O profeta é alguém que tem coragem de falar e agir, mesmo ferindo as tradições. Ele está comprometido com o Deus de Moisés, o Deus do Exodo,, o Deus que liberta...
Há algo interessante na tradição bíblica: quase sempre o vocacionado coloca obstáculo e resiste ao chamamento:
Ø Moisés diz que é gago e tem dificuldade em se comunicar. Deus coloca Aarão ao seu lado... (Ex. 4,10 segs.)
Ø Isaias diz que é um pecador - tem os lábios impuros... Um anjo toca os seus lábios com uma brasa, para o purificar.
Ø Jeremias diz que é apenas uma criança... Javé responde: "não diga que você é uma criança, você irá para aqueles que eu mandar falar e falará em meu nome..."
Ø Jonas foge...
Ø Maria diz: "eu não conheço homem..."
O vocacionado que assume a missão já não é o mesmo. Ele rompe com o passado. Deixa as redes...

B. A Vocação no Novo Testamento

No Novo Testamento, em Cristo, Deus está muito mais perto de nós. Em Cristo, todos são chamados, vocacionados para a santidade. Aqui Deus nos fala pelo seu próprio Filho (Heb. 1,2). Jesus afirma mais vezes que ele é enviado pelo Pai. Ele é o grande vocacionado para o projeto de Deus no mundo.
Ø Podemos dizer que a primeira vocacionada do NT é Maria (Lc. 1,26 segs.)
Ø João Batista é chamado desde o seio de sua mãe para ser o precursor e o profeta que recebeu não só a missão de anunciar, mas de preparar a chegada do Senhor... O 4º Evangelho diz que "João é enviado por Deus para dar testemunho da luz" (Jo. 1,6-8).
Ø Vocação dos Apóstolos - No início da sua atividade pública Jesus escolheu um pequeno número de homens. Ele chama 12 para o seu seguimento e já lhes deixa entrever a sua missão - "farei de vocês pescadores de homens (Mc. l,16-20). O atendimento é imediato, eles "deixam as redes e o seguem"... Ele chama gente do povo, nem mesmo chama os melhores, pois ele não veio para os justos, mas para os pecadores, Mt. 9,13. Chama para que ficassem com ele.
Ø Chama os 72 - (Lc. 10)...
Ø Chama o jovem rico... (Mc. 10,17-22)
Ø Quem é chamado deve seguir incondicionalmente (Lc. 9,57-62)...
Ø Vocação de Paulo (At. 9,1-30).
Partindo da tradição bíblica de que Deus chama pessoas para um profetismo ou uma missão no seio do povo, a Igreja sempre acreditou que Deus continua chamando para a evangelização e articulação da fé no seio do povo. O nosso Deus não é um Deus que falou no passado, mas que continua falando, comunicando-se conosco, chamando aquele que ele quer.

A palavra VOCAÇÃO é muito usada e, quase sempre, usada indevidamente. É comum identificarmos vocação com tendência pessoal ou profissional. Antes de tudo é bom ver a origem e o sentido desta palavra. Vocação vem da palavra latina vocare = chamar. Vocatio = chamamento, chamar, eleger, escolher.